Por Heitor Notini Monteiro
Sempre que falamos em Direito algumas palavras nos vem à mente e uma das que mais merece destaque é “obrigação”. Quando falamos em obrigação de uma parte para com a outra temos que sempre ter em mente quais as consequências do inadimplemento desta obrigação oriunda de uma relação jurídica. E ao falarmos em descumprimento de determinada obrigação automaticamente temos a figura da mora. Mas afinal, o que é a mora? E quais seriam suas consequências?
Sob uma visão clássica a mora se restringe somente à demora, ao retardamento no cumprimento da prestação. Contudo, o Código Civil Brasileiro em seu Título IV, Capítulo II, mais especificamente em seu artigo 394, amplia essa conceituação, determinando que mora refere-se tanto à figura do credor quanto à do devedor, quando não houver o cumprimento da prestação no lugar, tempo e modo convencionado.
Assim, em estando caracterizada a mora, temos a figura dos juros de mora como um dos principais meios de compensação pelo atraso no cumprimento da obrigação, ou seja, a partir da constituição do devedor em mora.
A partir da definição do conceito de juros de mora surgem três importantes questionamentos, quais sejam: qual o percentual dos juros de mora? Qual o termo inicial dos juros de mora? Há interrupção dos efeitos da mora?
O percentual dos juros de mora irá variar conforme a natureza contratual. Se o contrato for regido por lei especial, a disposição acerca do tema prevalecerá em detrimento da lei geral. Por sua vez, em se tratando de contrato bancário não subordinado à lei especial, nos termos da Súmula 379 do Superior Tribunal de Justiça os juros de mora serão limitados a 12% ao ano. Contudo, nos contratos em geral, ou seja, aqueles não regidos por lei especial ou contratos que não sejam bancários, os juros de mora seguirão o que disposto em lei, nos termos do artigo 406 do Código Civil, dizendo que “serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”.
Como se percebe, tal artigo não prevê expressamente qual seria a limitação ou valoração a ser considerada, o que nos remete ao STJ para pacificar a discussão, momento em que decidiram, mediante REsp. 1.846.819, que a taxa de juros do artigo 406 do CC é a SELIC.
À título de curiosidade, um fato que demonstra a controvérsia do tema – dentro do âmbito jurídico – é que temos que considerar a aplicação diversa no âmbito dos Tribunais Estaduais, já que aplicam a limitação de 12% ao ano para os juros moratórios. Como exemplo temos a Tabela Prática publicada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo que consta expressa menção de que “competem juros nos termos do Código Civil de 2002, art. 406, a 12% a.a. a partir da entrada em vigor da lei”.
Certo é que em um país cuja oscilação de políticas financeiras é constante e conforme determinado momento, considerar-se um índice variável para aplicação de juros traz claramente uma insegurança jurídica nos contratos entabulados.
Em determinado o percentual a ser aplicado a título de juros de mora, temos que ter em vista quando se dará o início de aplicação dos mesmos. Sobre o assunto temos a súmula 54 do STJ que dispõe: Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual.
Por fim, nos questionamos, há interrupção dos efeitos da mora? A resposta para essa pergunta sofreu recente alteração ante a revisão ocorrida no tema 677 do STJ.
Até então a jurisprudência do STJ não era pacífica, divergindo os ministros quanto à incidência ou não dos efeitos da mora nas hipóteses em que o devedor deposita o valor executado para garantia do juízo e quando o depósito decorre da penhora de ativos financeiros.
Inicialmente, o STJ havia firmado tese quando do julgamento do REsp 1.348.640/RS, afetado ao Tema nº 677/STJ: “Na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada”.
Desta feita, prevalecia o entendimento de que o depósito, independentemente das circunstâncias, afastava os efeitos da mora. Entretanto, em agosto de 2016, quando do julgamento do REsp nº 1.475.859/RJ, houve mudança considerável no entendimento, visto que firmou o entendimento de que o depósito judicial efetuado para fins de garantia do juízo ou decorrente de penhora de ativos financeiros não tem o condão de liberar o devedor dos consectários relacionados à sua mora.
Consequentemente, quando do pagamento efetivo ao credor, dever-se-ia deduzir do montante calculado nos termos do título (judicial ou extrajudicial) o valor depositado judicialmente, acrescido da correção monetária e dos juros pagos pela instituição financeira. O devedor ainda deveria arcar com a diferença em relação aos juros e à correção. Vale relembrar que os juros pagos pela instituição bancária têm natureza remuneratória, não se confundindo com os juros moratórios oponíveis ao devedor.
Ocorre que parte dos ministros do STJ permaneceu alinhada ao entendimento anterior, ou seja, no sentido de que o depósito, ainda que para garantia do Juízo, afastaria os encargos moratórios. Tal situação motivou a proposta da ministra Nancy Andrighi para a instauração do procedimento de revisão do entendimento firmado no Tema 677/STJ, em questão de ordem acolhida por unanimidade.
Em suas razões a ministra relatora invocou os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, destacando a divergência jurisprudencial das 3ª e 4ª Turmas, surgida após o julgamento do Resp. 1.475.859/RJ. Mencionada revisão fora concluída recentemente, com o encerramento do julgamento do REsp nº 1.820.963/SP no qual se conferiu nova redação ao tema 677/STJ:
“Na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial”.
Logo, a revisão do Tema 677/STJ não inaugura um novo entendimento sobre a questão, mas estabelece a prevalência de parte da jurisprudência, segundo a qual o depósito para fins de garantia ou decorrente de bloqueio judicial não faz cessar os efeitos da mora.
Conclui-se, portanto, que resta claro o objetivo punitivo dos juros de mora, ante a inércia do devedor em cumprir com a obrigação assumida, bem como resta claro o entendimento do STJ no sentido de não haver interrupção dos efeitos da mora. Mas alguns questionamentos devem ser feitos, como, por exemplo, sobre o desestímulo ao devedor de efetuar o depósito em dinheiro na fase de execução.
Isto é, uma vez que o depósito não afastará os efeitos da mora, o devedor optará por permanecer com o capital, enquanto discute o montante executado. Outro importante ponto é a possibilidade de “eternização da execução”, já que sempre remanescerá um saldo de juros moratórios a executar. Trata-se, porém, de um reflexo da morosidade do processo judicial e da efetividade da execução, muitas vezes decorrente da falta de estrutura do Judiciário. Ficando a dúvida, quem deve arcar com a morosidade do judiciário?
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