Por Ana Flávia Caleiro Mosbacher Vitoriano

À luz da Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça, muito se fala acerca da atuação das instituições financeiras perante situações fraudulentas ocorridas no âmbito bancário.

Entretanto, não se pode olvidar que a essência da relação obrigacional bancária é precipuamente bilateral, visto que ambas as partes pactuam direitos e obrigações dentro dos contratos firmados.

Embora os bancos e outras instituições financeiras tenham a responsabilidade de proteger seus clientes contra essas fraudes, os consumidores também têm um papel importante a desempenhar na prevenção de fraudes.

Ou seja, o dever de zelo nessa relação não exsurge apenas do lado da casa bancária, mas também dos usuários de seus serviços.

A título exemplificativo, pode-se citar a responsabilidade do titular de cartão de crédito ou débito no resguardo da senha, a qual é pessoal e intransferível correspondendo à assinatura eletrônica do cliente, cabendo ao consumidor diligenciar para mantê-la em total sigilo e obstar a sua fragilização.

É o que vem sendo entendido pelos tribunais pátrios:

Ementa: CARTÃO DE CRÉDITO – Ação declaratória de inexigibilidade de débito cumulada com pedido de indenização por danos materiais e morais – Sentença de improcedência – Cartão magnético entregue a terceiro desconhecido que se intitulou preposto da instituição bancária (golpe do motoboy) – Conjunto probatório demonstra que não houve falhas na prestação de serviços por parte do banco e, sim, desídia da apelada na guarda do cartão de crédito e senha de uso pessoal – Culpa exclusiva da vítima configurada Excludente do CDC, art. 14, § 3º, II – Precedentes desta Corte Indenização indevida – Sentença mantida – Recurso desprovido com majoração dos honorários advocatícios (NCPC, art. 85, § 11), e com observação. (TJSP -1006734-48.2017.8.26.0003; Classe/Assunto: Apelação / Bancários; Relator(a): José Wagner de Oliveira Melatto Peixoto; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 15ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 27/04/2018; Data de publicação: 27/04/2018).

Ementa: Apelação – RESPONSABILIDADE CIVIL – Cartão de débito/crédito Negativa de compras e saques pela autora – Autora que foi vítima de um golpe ao entregar o seu cartão a terceiro estranho – Falta de cautela por parte da autora – Não configurada falha na prestação de serviços – Responsabilidade objetiva afastada – Inexistência de prova do nexo causal Sentença reformada para julgar improcedente a ação – Recurso do banco provido e prejudicado o recurso adesivo da autora. (TSJP – 1120495-91.2016.8.26.0100; Classe/Assunto: Apelação / Bancários; Relator(a): Irineu Fava; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 17ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 11/05/2018; Data de publicação: 11/05/2018).

AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES C.C. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS Utilização, por terceiro, de cartão de crédito furtado – Titular que, além de não haver comunicado imediatamente ao banco o fato ocorrido, não zelou pela segurança de seu cartão ao guardá-lo próximo da respectiva senha e dentro de uma bolsa que deixou no interior de seu veículo Instituição financeira que não pode responder pelas transações realizadas até a comunicação do furto – Sentença de improcedência mantida Recurso não provido, com majoração dos honorários de sucumbência. (TJSP; Apelação Cível 1009916-32.2017.8.26.0071; Relator (a): Paulo Pastore Filho; Órgão Julgador: 17ª Câmara de Direito Privado; Foro de Bauru – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/04/2019; Data de Registro: 29/04/2019).

Destarte, mediante diversas ações e campanhas frequentemente divulgadas por meio das mídias sociais, SMS, portais eletrônicos, aplicativo Internet Banking, dentre outros, os consumidores são constantemente orientados pelas instituições financeiras sobre como podem proteger suas contas bancárias.

Uma das medidas aconselhadas é monitorar/ acompanhar suas transações regularmente de forma online ou por meio do recebimento de extratos bancários mensais. Caso seja constatada alguma operação suspeita, o consumidor deve entrar em contato imediatamente com o banco para relatar a prática fraudulenta.

Os clientes também podem ajudar a prevenir fraudes bancárias denunciando atividades suspeitas às autoridades competentes, podendo relatar e-mails suspeitos ou telefonemas fraudulentos que tentam obter informações confidenciais do cliente, por exemplo. Ao denunciar essas atividades, os consumidores podem ajudar a impedir que outros sejam vítimas de fraude bancária.

Noutro giro, os consumidores são frequentemente orientados de que existem muitos tipos diferentes de fraudes bancárias, dentre os quais se pode citar o phishing (crime cibernético em que um criminoso finge fazer parte de uma instituição legítima para convencer as vítimas a entregarem suas informações pessoais), skimming (golpe em que criminosos instalam dispositivos em caixas eletrônicos para clonar cartões e assim ganhar acesso às contas bancárias das vítimas), roubo de identidade, entre outras situações.

Nesta esteira, em total observância ao princípio da boa-fé objetiva, toda a sociedade, sejam fornecedores e/ou consumidores, tem o dever de se educar sobre essas possíveis fraudes e aprender a reconhecer os sinais de alerta como, verbi gratia, jamais dar seguimento a contato telefônico em que seja pedido senhas e dados bancários sigilosos, procurar por erros gramaticais em e-mails fraudulentos ou verificar se um caixa eletrônico (autoatendimento) parece ter sido adulterado.

No aspecto supracitado, o artigo 422 do Código Civil positiva a discussão exposta no presente texto, pois reza in verbis:

“Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

Isto é, conforme anotação na obra de Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves, o que se espera das partes contratantes é que ambas atuem de acordo com determinados padrões de lisura, retidão e honestidade, de modo a não frustrar a legítima expectativa e confiança despertada em outrem.

Dessa maneira, interpretar que cabe tão somente ao fornecedor a obrigação de zelar pela segurança e prevenção de atos fraudulentos vai ao total arrepio da legislação vigente, doutrina e até mesmo da jurisprudência, como se ilustra:

“2. O Princípio da Boa-fé Objetiva, exige, em todas as fases da contratação, até mesmo na fase pós contratual, conduta leal dos contratantes, os quais devem observar os deveres anexos ou laterais de conduta, a fim de manter a confiança e as expectativas legítimas do Negócio Jurídico. 2.1. Como forma de proteger as naturais expectativas das partes no desenvolvimento da relação contratual, tal princípio possui a função de também limitar os exercícios dos direitos das partes do contrato, sempre que o comportamento dela – embora formalmente de acordo com as normas contratuais – acabe por significar a quebra de uma expectativa legítima da outra.” (Acórdão 1297487, 07062178220198070001, Relator: EUSTÁQUIO DE CASTRO, 8ª Turma Cível, data de julgamento: 29/10/2020, publicado no DJE: 12/11/2020).

É ainda relevante instar que a consagração da responsabilidade objetiva das instituições financeiras não significa que o sistema de proteção ao consumidor deixe de considerar determinadas situações capazes de afastar ou isentar de responsabilidade o fornecedor nos casos de culpa exclusiva da vítima ou de terceiros, tratando-se das chamadas causas excludentes, inclusive, expressamente previstas nos artigos 12, §3º, inciso III e 14, §3º, inciso II, ambos do Código de Defesa do Consumidor em que está estabelecido, em apertada síntese, que o fornecedor não responderá pelos danos quando provar que há culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Com isso, resta evidente que o consumidor também se obriga a se atentar aos indícios e riscos de fraude, não podendo se eximir de sua responsabilidade de ser vigilante e cuidadoso com suas informações bancárias, impedindo a fragilização de tais dados sensíveis.

Isso posto, conclui-se que em que pese a hipossuficiência do consumidor prevista na legislação consumerista, tal circunstância não mitiga o dever de vigilância e cautela por parte do usuário dos serviços bancários, o qual deve se cercar dos cuidados mínimos na proteção de seu patrimônio.

Em outros termos, malgrado as instituições financeiras tenham a responsabilidade primária de proteger seus clientes contra fraudes bancárias, os consumidores também têm um papel importante a desempenhar na prevenção dessas fraudes. Ao manter suas informações pessoais seguras, monitorar regularmente suas transações, denunciar atividades suspeitas e se educar sobre as diferentes formas de fraude, os consumidores protegerão suas contas bancárias e obstarão serem vítimas de tais ocorrências.

Sobre a autora:

Ana Flávia Caleiro Mosbacher Vitoriano (OAB/SP 357.769) é advogada associada ao Escritório Sanchez e Sanchez Sociedade de Advogados

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BENJANMIN, Antônio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe; MARQUES, Cláudia Lima. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, 2021.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil Volume 4: direito dos contratos. Salvador: Juspodivm, 2012.