Por Pedro de Souza Rosa Lopes

É bem provável que, recentemente, você tenha ouvido falar sobre mercado de crédito de carbono, isso porque tem sido um tema amplamente falado e publicado nas mídias especializadas em mercado de investimento, em razão de que o Brasil – finalmente – está regulamentando a sua comercialização.

Por se tratar de um tema recente e pouco aprofundado no país, consequentemente traz uma difícil compreensão das pessoas em associar emissão de gás carbono (CO2) com mercado de capital, sendo justamente o objetivo desse material.

Isto é, o Escritório Sanchez e Sanchez Sociedade de Advogados, com expertise na seara de Recuperação de Crédito e sólida atuação no tocante aos temas atinentes ao Setor de Agronegócios (AGRO), acompanha atentamente os movimentos sobre os desafios desta regulamentação e, com isso, pretende esclarecer o tema da forma mais compreensível e acessível, bem como, ao final, abordar os desafios e também os benefícios conduzidos por esta novidade.

– CRÉDITO DE CARBONO: O QUE É?

A fim de trazer efetividade ao combate e proteção sobre os gases de efeito estufa na atmosfera foi que, em 1997, o Protocolo de Quioto definiu os conceitos modernos de crédito de carbono e mercado de compensação de carbono para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, efetivado em 2005. Tal compensação busca expandir medidas como reciclagem, redução de energia e planejamento de árvores mudam a redução do CO2 na atmosfera.

Em breve síntese, o crédito de carbono, representando uma tonelada métrica de CO2 evitada, é utilizado para certificar a redução de emissões de gases poluentes, sendo comercializado entre empresas para compensar altos níveis de emissões de gases estufa. A Tesla, por exemplo, lucrou US$ 1,8 bilhão (aproximadamente R$ 9 bilhões) sem vender um único carro, apenas com a venda de crédito de carbono[1] oriundos da produção de carros elétricos.

Considerando que mais de 80% da energia no Brasil é proveniente de fontes renováveis, juntamente com seu potencial em áreas como reflorestamento, o país se destaca mundialmente. 

Basicamente, a atividade rural pode gerar dois tipos de créditos de carbono: a partir da conservação ou restauração da vegetação nativa – são os créditos do tipo REDD+ (sigla para Redução de Emissões de Desmatamento e da Degradação) – ou de mudanças no manejo que emitem menos GEE do que o manejo usual – são os créditos do tipo AFOLU, sigla em inglês para Agricultura, Florestas e Outros Usos do Solo[2].

Nesse cenário mundial o Brasil se destaca como protagonista – não poderia ser outro -, mediante estudo realizado[3], pois concentra 15% do potencial global de captura de carbono por meios naturais, com chances de atender a 48,7% da demanda global.

Vale dizer, no mesmo estudo retro destacado há previsão de que o setor do crédito de carbono movimente US$ 50 bilhões até 2030, motivo pelo qual há previsão de que o Brasil poderá gerar até R$ 26 bilhões por ano e o potencial de criação de 1,5 milhões de vagas de empregos até 2030[4].

Notório que o país vislumbra as grandes possibilidades de um mercado que lhe é naturalmente favorável. Entretanto, um grande empecilho é que não possuímos um mercado regulado no Brasil e, por esse motivo, todas as atuações, hoje, se dão no mercado voluntário, que melhor será explicado a seguir.

– MERCADO REGULADO X MERCADO VOLUNTÁRIO

Em termos simples de compreensão, existem dois instrumentos econômicos para precificar o carbono: via órgãos reguladores (por meio de um imposto de carbono ou sistema de comércio de emissões) ou voluntariamente (precificação interna de carbono ou um mercado voluntário de carbono).

No mercado de carbono regulado, as emissões de gases de efeito estufa são limitadas e regulamentadas pela legislação governamental, como, por exemplo, impostos sobre carbono. Empresas e organizações são obrigadas a cumprir metas de redução de emissões poluentes pelas autoridades e podem comprar créditos de carbono para compensar eventuais excessos de emissões.

Já no mercado de carbono voluntário, as empresas e organizações optam por compensar as suas emissões de gases de efeito estufa de forma voluntária, isto é, sem obrigações legais. Eles compram créditos de carbono para neutralizar sua pegada (medição dos gases de efeito estufa originadas pela atividade humana) de carbono e demonstrar comprometimento com a sustentabilidade e a responsabilidade ambiental. Esses créditos são gerados por projetos de compensação que reduzem ou evitam emissões de carbono, como reflorestamento, energias renováveis ​​e eficiência energética.

Em resumo, a principal diferença entre os mercados de carbono regulados e voluntários é na obrigação: no mercado regulado, as empresas são obrigadas por lei a cumprir metas de redução de emissões, enquanto no mercado voluntário, a compensação de carbono é uma escolha feita pelas organizações para se engajarem em práticas mais sustentáveis.

– Projeto de Lei nº 2.148/2015

Em dezembro de 2023 o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei nº 2.148/2015, que dispõe sobre o mercado regulado de carbono no Brasil e, agora, retornou ao Senado Federal para aprovação.

Dentre todas criações, o que merece maior atenção foi a criação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), nome dado ao mercado no Brasil, que prevê limites de emissões para cada empresa, um mecanismo de cap and trade semelhante ao vigente na União Europeia desde 2005

Em outras palavras, como já vimos, aquelas que conseguirem emitir menos que os estabelecidos ganharão cotas comerciáveis, lado contrário àquelas que não conseguirem cumprir, precisarão comprar cotas.

Como limitações de CO2, o texto prevê que apenas instalações (como uma fábrica) que emitem mais de 25 mil toneladas de CO2 por ano terão suas emissões limitadas. Aquelas que emitem mais de 10 mil toneladas terão de fazer um relato obrigatório de suas emissões, sendo que esses cortes poderão ser revistos no futuro.

Outro ponto que chama atenção foi o maior detalhamento da titularidade dos créditos de carbono, que podem ser detidos pela União, pelos Estados e pelos Municípios, bem como pelos proprietários privados, comunidades indígenas, extrativistas e quilombolas e assentados rurais. Estados como o Acre, por exemplo, aprovaram leis estaduais criando um mercado local de créditos de carbono.

Todavia, sem dúvida alguma o ponto mais discutido do Projeto de Lei foi a exclusão do setor do agronegócio da regulamentação e, consequentemente, o setor vai fazer parte do mercado voluntário, em que não há obrigatoriedade por lei de compensar emissões. Nesse caso, os créditos de conservação e restauração de florestas são negociados de acordo com as características de cada projeto.

– CONCLUSÃO:

No Brasil, é comum a criação de Projetos de Lei com lacunas, como é o caso do recente projeto para regulamentar a emissão de CO2 pelas empresas. Especialistas apontam que o limite de 25 mil toneladas é alto e atinge apenas grandes empresas. Além disso, há o desafio de definir métricas para mensurar o carbono convertido em crédito, uma discussão complexa que ainda precisa ser resolvida.

Inclusive, essa dificuldade de mensuração do controle de emissão foi o principal motivo pelo agro ficar de fora do texto legal, o que, na opinião do artigo, foi uma decisão acertada, já que é o setor responsável por um quarto do PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil e, evidentemente, em razão de sua representatividade ao país é que deve ser analisado sua regulamentação com precaução, principalmente pelo fato de é muito difícil medir o saldo exato das emissões de gases de efeito estufa do setor.

Outra questão levantada pelos estudiosos é o tempo que se leva para sequestrar carbono no solo. Na avaliação de Andrade, da Embrapa Meio Ambiente, a aplicação de modelos de simulação seria uma alternativa para conseguir remunerar o produtor anualmente, visto que o processo é lento e difícil de ser medido de uma safra para outra. “O primeiro passo para abrir as portas do mercado regulado é a definição de protocolos de amostragem que sejam auditáveis ao longo dos anos”, enfatiza[5].

Não resta dúvida de que o setor do agro será o grande beneficiado pela evolução gradativa do tema, justamente em razão do país possuir condições privilegiadas acarreta grande potencial.

Marília Folegatti, pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente, exemplificou bem o potencial no setor: “A agricultura é uma das poucas cadeias que consegue sequestrar carbono da atmosfera. Boas práticas agrícolas são capazes de incorporar matéria orgânica que, em algum momento, será carbono sequestrado no solo. É uma redução de emissões que nenhuma outra cadeia tem. Ou seja, uma oportunidade enorme para o agronegócio”[6].

Conseguimos comprovar na prática esse potencial no setor do agro através do exemplo de sucesso do agrônomo Sérgio Vergueiro, através de sua fazenda Aruanã, onde há 54 anos, ao adquirir a propriedade no Estado do Amazonas decidiu apostar no plantio de castanheiras e deixando de lato o desmate – que era característico da região.

Hoje, Vergueiro tem uma propriedade repleta de árvores em pé – nativas e plantadas – e o título de maior reflorestamento de castanheiras do Amazonas. Esse trabalho acaba de render a ele 2,2 milhões de créditos de carbono, que podem ser vendidos para quem quiser compensar suas emissões de gases de efeito estufa (GEE[7]).

Apesar do Projeto de Lei possuir lacunas ainda não respondidas, fato é que acertadamente o Brasil está dando passos para a devida regulamentação da emissão de CO2 na atmosfera e, consequentemente, regulamentação do crédito de carbono no país, até porque, vale lembrar, em outubro de 2023 o Brasil atualizou a suas metas, que passaram a ser de 48,4% de redução das emissões de GEE até 2025, e 53,1% até 2030.

Sobre o autor:

Dr. Pedro de Souza Rosa Lopes – Advogado associado ao escritório Sanchez & Sanchez Sociedade de Advogados

[1] https://neofeed.com.br/negocios/a-tesla-ganhou-us-18-bilhao-em-2023-sem-vender-um-unico-carro/#:~:text=Em%202023%2C%20a%20montadora%20de,US%24%201%2C5%20bilh%C3%A3o

[2] https://globorural.globo.com/especiais/fazenda-sustentavel/noticia/2024/03/mercado-de-creditos-de-carbono-ganha-espaco-no-agro-brasileiro.ghtml

[3] https://www.mckinsey.com.br/our-insights/all-insights/mercado-voluntario-de-carbono-tem-potencial-gigantesco-no-brasil

[4] https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2023/03/22/brasil-pode-gerar-ate-r-26-bi-por-ano-em-creditos-de-carbono-diz-consultoria.ghtml

[5] https://www.cnabrasil.org.br/noticias/apesar-de-bilionario-mercado-de-carbono-exige-paciencia-no-brasil

[6] https://www.cnabrasil.org.br/noticias/apesar-de-bilionario-mercado-de-carbono-exige-paciencia-no-brasil

[7] https://globorural.globo.com/especiais/fazenda-sustentavel/noticia/2024/03/mercado-de-creditos-de-carbono-ganha-espaco-no-agro-brasileiro.ghtml