Por Dr. Rodrigo Toler

O agronegócio, espinha dorsal da economia brasileira, vive uma transformação impulsionada pela convergência de dois vetores cruciais: a evolução de seu arcabouço de financiamento e o avanço exponencial da Inteligência Artificial.

Historicamente, o financiamento rural, centralizado no Estado desde os anos 30, mostrou-se limitado em escala e agilidade. A crise de crédito dos anos 90, fruto da insuficiência de recursos oficiais e pressões fiscais, impôs uma guinada estratégica. Essa “recessão do crédito rural” forçou o mercado e o legislador a uma postura proativa, buscando alternativas privadas para garantir a sustentabilidade do setor.

Nesse contexto, surgiram instrumentos financeiros inovadores. A Cédula de Produto Rural (CPR), de 1994, e a Lei dos “novos títulos do agronegócio” (2001/2004), com Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), abriram o mercado de capitais para o agro, aumentando a transparência e diversificando as fontes de financiamento. Leis recentes, como a Lei do Agro (2020), o FIAGRO (2021) e a Lei do Agro 2 (2022), consolidaram um arcabouço jurídico robusto, ampliando garantias e reforçando a segurança das operações, refletindo uma notável adaptabilidade legislativa para otimizar processos de captação e investimento.

Paralelamente, a IA também trilhou uma jornada de superação e reinvenção. Da rigidez dos sistemas nos anos 50-80, que sucumbiram às limitações computacionais e de dados da década de 90 (“Inverno da IA”), a tecnologia alavancou com o Machine Learning nos anos 2000, aprendendo padrões a partir de vastos volumes de dados. A evolução para o Deep Learning e, mais recentemente, a ascensão dos Large Language Models (LLMs) e da IA Generativa, revolucionaram a capacidade de processar, compreender e raciocinar sobre informações complexas, automatizando o trabalho do conhecimento e redefinindo a interação humano-máquina.

A gestão de carteiras de crédito no agronegócio enfrenta um desafio constante: a complexidade de avaliar riscos e otimizar a recuperação em um setor sujeito a variáveis climáticas, logísticas e de mercado. Contudo, a confluência de duas tecnologias — rastreabilidade e inteligência artificial (IA) — está redesenhando este cenário, transformando a recuperação de crédito de um processo reativo para uma disciplina estratégica, preditiva e de alta performance.

A rastreabilidade, que permite monitorar um ativo agrícola desde a sua origem até o consumidor final, deixou de ser apenas um selo de qualidade ou segurança alimentar. Para as instituições financeiras, ela se tornou um poderoso ativo de inteligência. Cada etapa registrada — do plantio e aplicação de insumos à colheita e transporte — gera um volume massivo de dados auditáveis. Essa base de informações concretas oferece uma visão granular sobre a saúde da operação do devedor, a qualidade das garantias e o cumprimento de normas socioambientais (ESG), mitigando riscos de forma sem precedentes.

Olhando para o futuro, a tokenização de ativos agrícolas surge como a próxima fronteira, prometendo amplificar essa segurança jurídica e criar novas modalidades de financiamento com liquidez e transparência sem precedentes. De toda forma, a mais sofisticada tecnologia encontra seu verdadeiro potencial quando aliada ao fator humano. O relacionamento com o cliente, o “corpo a corpo” com o produtor, permanece insubstituível.

É fundamental estar no campo, olhando a produção de perto, compreendendo suas sazonalidades e desafios intrínsecos. A verdadeira maestria na recuperação de crédito e na construção de parcerias de longo prazo virá da capacidade de trazer essa realidade tangível para as mesas de decisão da Faria Lima, traduzindo a poeira da estrada em dados que fundamentam estratégias mais justas, eficazes e, acima de tudo, sustentáveis.

Sobre o autor:

Dr. Rodrigo Toler – Jurídico – Escritório Sanchez & Sanchez Sociedade de Advogados