Por Mayara Marins

Até o mês de junho de 2020, em diferentes esferas, a justiça brasileira já acumulava pelo menos 165 mil decisões relacionadas à pandemia do novo coronavírus, segundo dados preliminares da pesquisa conduzida pelo Núcleo de Tributação, ligado ao Centro de Regulação e Democracia do Insper.

Conforme já era esperado, o evidente aumento da judicialização das relações sociais representa inúmeros impactos nas relações jurídicas litigiosas no contexto pandêmico, visto que a modificação no estado de fato ou de direito de partes de ações em curso no Poder Judiciário sempre existiu em razão de fatos supervenientes ou imprevisíveis, mas nunca na proporção atual.

Em tempos normais, a revisão contratual em caráter excepcional é possível com a finalidade de expurgar abusividades em relações empresariais, o que é admitido nos termos estabelecidos no artigo 478 do Código Civil, o qual preconiza que, ao lado da situação de fato imprevisível, é necessária a evidência de que as obrigações se tornaram manifestamente vantajosas para uma das partes em detrimento da outra, desequilibrando o contrato.

Ocorre que nesse fatídico momento começam as surgir demandas oportunistas que possuem o nítido intuito de aproveitamento das condições de flexibilização trazidas pela imprevisibilidade e excepcionalidade da crise, sem o menor indício de que as obrigações contratadas anteriormente se tornaram impossíveis de cumprimento.

Nesse sentido, a jurisprudência já tem acentuado a necessidade de demonstração dos requisitos que comprovem claramente a alteração de suas condições pessoais e patrimoniais, o que, atualmente, impossibilitam o adimplemento, visando comprovar a probabilidade do direito.

Fato é que a situação excepcional da pandemia pode não ter gerado desproporção na obrigação das partes, visto que ambas sofrem, sofreram ou sofrerão os efeitos imediatos da redução da atividade econômica e, por conseguinte, não há como transferir o risco de uma empresa para outra que, do mesmo modo, tenha obrigações de diversas ordens a cumprir, ante a permanência do cenário causado pela crise.

O que se admite é reequilibrar riscos, isso quando somente uma das empresas assumisse os efeitos da crise e se não houvesse a intervenção judicial, mas isso não ocorre na grande maioria dos casos concretos, de modo que não se pode acolher de modo individual a pretensão de uma das partes.

Por óbvio, não se cogita aqui o impedimento da revisão judicial excepcional de prestações de trato continuado, mas apenas se destaca que a alteração deva ser materialmente justificável, pois é dever do Juiz adequar a situação atual e futura aos fatos supervenientes verificados.

É importante advertir que a pandemia não é uma “licença” para que as decisões judiciais sejam modificadas, pois como defendeu Carlos Eduardo Ruzyk Pianovski, da mesma forma que a boa-fé exige do credor comportamentos de cooperação, não pode o devedor se valer de comportamentos oportunistas para deixar de efetivar suas obrigações.

Por fim, é necessário destacar e observar que algumas respostas legislativas em debate e em vigor geram desnecessidade de cumprimento de obrigações contratuais, sem que haja intervenção do judiciário, tal como o Projeto de Lei n. 1328/2020, que determina a suspensão do empréstimo Consignado por 120 dias, que foi encaminhado nesta última segunda-feira (22/07) para votação na Câmara de Deputados, após passar pelo Senado Federal.

Ante todo o exposto, é de extrema importância que a sociedade, por meio dos operadores do direito, que na grande maioria das vezes viabilizam o acesso à justiça, tenham orientação e clareza nos temas e causas que podem e devem ser levados à juízo, pois essa triagem é essencial para prevenção do colapso da máquina do judiciário.

Sobre a autora:

Mayara Marins, advogada especialista em Processo Civil pela UNESP e MBA em Administração pela USP/Fundace. Sócia Gerente do Contencioso Cível e Trabalhista na Sanchez & Sanchez Sociedade de Advogados.