Por Christiane Oliveira Nascimento

A Lei 13.874/19, chamada Lei da Liberdade Econômica, publicada em setembro de 2.019, inseriu o artigo 49 – A e seu parágrafo único, bem como alterou o artigo 50 do Código Civil, com o intuito de salvaguardar a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas.

A ideia de pessoa jurídica foi construída, no que diz respeito a sua formação, da pessoa humana e em virtude dessa. As pessoas físicas estão perpetuamente compreendidas nos atos da pessoa jurídica, devido ao fato de que esses atos são exclusivos de seres humanos. A dificuldade que se encontra regularmente, é a de conceber a pessoa jurídica como ente autônomo e distinto das pessoas físicas que a compõe.

Em que pese a pessoa jurídica sempre fazer-se presente através de pessoas naturais, não deve haver confusão entre as pessoas, notadamente em relação ao seu patrimônio, garantindo assim o estimulo ao empreendimento, à geração de empregos e a inovação em benefício de todos.  

Inobstante, a autonomia garantida entre a pessoa jurídica e as pessoas físicas que a compõe, não pode se revelar como escudo do patrimônio pessoal do sócio, permitindo o abuso do ente personalizado para blindar o seu patrimônio.

Neste contexto é que surgiu a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, a qual recebeu previsão legal com o advento do Código Civil de 2.002 e permitiu que, por decisão judicial, os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidas aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Antes da Lei da Liberdade Econômica o artigo 50 do Código Civil, limitava-se a admitir a desconsideração da personalidade jurídica quando caracterizado o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial, sem, contudo, conceitua-los, deixando, a conceituação a critério da jurisprudência.

O que fez a referida Lei, foi estabelecer regras mais claras para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, conceituando desvio de finalidade e confusão patrimonial.

Desvio de finalidade, nos termos do §1º do artigo 50 passou a ser conceituado como “a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.”

A confusão patrimonial, por sua vez, foi conceituada como a ausência de separação de fato entre os patrimônios da pessoa jurídica e dos sócios, caracterizada pelo cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigação do sócio ou vice-versa; pela transferência de ativos ou de passivos sem contraprestações efetivas; ou pela existência de outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

Vale destacar, que a Lei da Liberdade Econômica descartou a aplicação da teoria menor da personalidade jurídica, ressaltando que o prejuízo, por si só, não é hábil para o pleito de desconsideração da personalidade jurídica, sendo necessário que a pessoa jurídica tenha procedido de forma indevida, ou seja, se portado com abuso da personalidade jurídica.

Essa limitação trazida pela referida Lei é de extrema importância, posto que a subjetividade com que vinha sendo aplicada a desconsideração da personalidade jurídica eclodiu uma crise no que tange a responsabilidade limitada dos sócios. O cenário foi de transição de um extremo a outro. O patrimônio particular dos sócios que até então permanecia blindado diante dos atos societários passou para um estado de exposição. Para alcançar efetividade e celeridade, principalmente nos processos de execução, se verificou quase que completa a inexistência de separação patrimonial.

Nesse momento, revelou-se de extrema necessidade a criação de um mecanismo legal que definiu critérios objetivos para aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, evitando mera subjetividade na análise das condutas e a constrição patrimonial de sócios pelo mero inadimplemento de obrigações por parte da pessoa jurídica.

A aplicação prática da alteração legislativa ainda não foi sentida nos Tribunais, principalmente no que concerne a sua aplicação nos âmbitos da Justiça do Trabalho e nas relações de consumo, no entanto o que se espera é que a subjetividade se não dirimida, seja, ao menos, minorada, viabilizando uma maior liberdade econômica das empresas.

REFERÊNCIAS

. ______. Lei nº 13.874. Promulgada em 20 de setembro de 2019. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13874.htm>. Acesso em: 07 jun. 2020.

______. Lei nº 10.406. Promulgada em 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 09 jan. 2019.

______. Lei nº 13.105. Promulgada em 16 de março de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 09 jan. 2019.

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LACERDA, Galeno. Teoria Geral do Processo. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

LOPES, João Batista. A desconsideração da personalidade jurídica no novo Código Civil. In Revista dos Tribunais. Vol. 818. São Paulo: Revista dos Tribunais, Dez. 2016.

Sobre a Autora:

Christiane Oliveira Nascimento, graduada pela Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), pós graduada em direito processual Civil pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto- USP. Gerente jurídica de contencioso cível na Sanchez e Sanchez Sociedade de Advogados.

Christiane Oliveira Nascimento