Por Dr. José Ricardo Sabino Vieira
Pelo direito, em nossos estudos, acompanhamos com frequência o fato da constatação do Estado em intervir incisivamente na iniciativa privada, tudo em nome do interesse comum ou, até mesmo, da segurança que deve direcionar, por seus órgãos, aos seus jurisdicionados.
Pela sistemática no nosso ordenamento jurídico, temos na complexidade das normas tanto de direito material quanto direito processual, a garantia de que, a eficácia das decisões prolatadas pelo nosso judiciário, seja toda ela assegurada pelos mecanismos legais existentes e, que de todas elas, possam em seu comando alcançar a efetiva prestação jurisdicional de modo que, a pacificação se torne algo deliberadamente sustentável e aceitável em todos os níveis da nossa sociedade.
Mas, o que se discutia fervorosamente pelos técnicos, resulta efetivamente no ponto de responder a seguinte questão: A interferência do Estado na iniciativa privada é obstáculo incisivo que impede o progresso do desenvolvimento econômico, devido o cerceamento deliberado a liberdade econômica?
Não é um tema que possamos dizer que é de fácil sustentação e ou defesa, seja pela sua ampla aplicação ou não, mas, com certeza, é tema que merece nossa atenção, devido ao fato da vigência da lei 13.874/2019 – a Lei da Liberdade Econômica.
Com base em estudos científicos sobre o desenvolvimento econômico do século XX, o qual se baseou o Governo Federal, quando da edição da MP da Liberdade Econômica, em 30 de abril de 2019 (MP 881/19), convertida em Lei, em 20 de setembro de 2019 (lei 13.874/19), demonstram que o aumento de liberdade econômica gera progresso. Deste modo, o Brasil, que ocupa posições muito altas em rankings de liberdade econômica (quanto maior a posição, menor a liberdade neste setor), precisaria de mais liberdade e segurança para contratar, negociar e investir, se quisesse se desenvolver. Neste item, ainda segundo o Governo Federal, a intervenção excessiva dificulta a atividade econômica, gerando insegurança e entraves aos particulares, que precisam lidar com sistemas jurídicos complexos e caros. E assim, foi transformada a MP 881/19 na Lei 13.874/19.
Toda a mudança e transformação, principalmente esta que estamos a observar, encontra sempre obstáculos, pois, não é fácil e nunca foi, seja de um lado de quem defenda a liberdade e autonomia, ou do outro mais conservador, o fato de que, a ausência e ou diminuição da proteção estatal (leia-se: intervenção, é até certo ponto prejudicial à situação de quem contava com aquele manto protetivo.
Talvez seja cultural, e isto é difícil e complexo de extração da mente e na organização administrativa de um país que, conforme asseguram alguns interlocutores da área debatida: “ Existe a percepção de que no Brasil ainda prevalece o pressuposto de que as atividades econômicas devam ser exercidas somente se presente expressa permissão do Estado, fazendo com que o empresário brasileiro, em contraposição ao resto do mundo desenvolvido e emergente, não se sinta seguro para produzir, gerar emprego e renda.”
A parte final, que versa sobre a insegurança em todos os pontos, seja econômico, financeiro e jurídico, ilustra os motivos que sustentaram a exposição dos argumentos quando da MP nº 887/2019 (liberdade econômica).
A lei número 13.874/19, que se tornou mais conhecida como Lei da Liberdade Econômica, acabou por ter e trazer em seu objetivo, a necessidade de viabilizar o livre exercício da atividade econômica e a livre iniciativa, deixando evidente a intenção do legislador em garantir autonomia do particular para empreender, alterando assim diversos dispositivos legais existentes para restringir a atuação do Estado sobre atividades econômicas, relações jurídicas no campo cível e trabalhista, normas regulamentadoras de profissões, juntas comerciais, produção, relações de consumo e meio ambiente.
E agora? Talvez seja o momento de fazermos derrubar outro ponto que ao longo do tempo caminha e seja, sem dúvidas, o obstáculo maior da legislação brasileira, qual seja, o de fazermos a lei “pegar”. Ora, de uma expressão vulgar a um ponto tão importante e necessário para o país, neste momento de tamanha turbulência que estamos atravessando, é de crucial e substancial importância trabalharmos para conseguirmos, se assim é a legislação, assegurarmos a sua inteira aplicação pelo judiciário e todos os outros órgãos envolvidos ao manto da obrigatoriedade da lei 13.874/19, para que assim, o fim último da norma seja finalmente estabelecida para todos aqueles que dela se inserem, ou seja, de modo geral, todos nós!
E qual seria o ponto de partida para assegurarmos como fundamentação a aplicação da lei da liberdade econômica?
Parece-nos claro e evidente como a luz solar, que o nosso legislador cuidou de deixar explicito no artigo 1º da lei em questão, objetivo e aplicação da regra vigente, transcreve-se:
Art. 1º Fica instituída a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, que estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador, nos termos do inciso IV do caput do art. 1º, do parágrafo único do art. 170 e do caput do art. 174 da Constituição Federal.
§ 1º O disposto nesta Lei será observado na aplicação e na interpretação do direito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho nas relações jurídicas que se encontrem no seu âmbito de aplicação e na ordenação pública, inclusive sobre exercício das profissões, comércio, juntas comerciais, registros públicos, trânsito, transporte e proteção ao meio ambiente.
Pelo artigo 2º da lei 13.874/19, o mesmo trata de assegurar os princípios que fundamentam a existência e a aplicação da própria norma, vejamos:
Art. 2º São princípios que norteiam o disposto nesta Lei:
I – a liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas;
II – a boa-fé do particular perante o poder público;
III – a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas; e
IV – o reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado.
Parágrafo único. Regulamento disporá sobre os critérios de aferição para afastamento do inciso IV do caput deste artigo, limitados a questões de má-fé, hipersuficiência ou reincidência.
Pela literatura jurídica, os princípios são os alicerces da norma, são o seu fundamento em essência, são o refúgio em que a norma encontra sustentação para racionalizar a sua legitimação, é a base de onde se extrai o norte a ser seguido por um ordenamento, seja em sentido lato – como é possível observar nos princípios constitucionais, no caso do princípio da legalidade, por exemplo – em que todos devem obediência à lei (não só os indivíduos, mas também o Estado), seja em ramos específicos do direito, como o trabalhista – em que o princípio da proteção do trabalhador serve de alicerce para a construção de todos os outros princípios dessa área do direito e de sua legislação não codificada.
Em conclusão, é evidente que hoje, a partir da vigência da lei da liberdade econômica, a própria liberdade econômica deva ser o embrião que faz o movimento interior do empreendedor ser colocado a disposição do seu próprio empreendimento e negócios (principio contido no inciso I do artigo 2º).
A boa fé, que deve existir em todos os negócios jurídicos, também deverá ser respeitada como base implícita do negócio e ou atividade que os particulares devam ter com o Estado (principio da boa fé inserida no inciso II do artigo 2º)
A intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas estabelece o impedimento, por exemplo, no afastamento da vontade das partes quando pactuado em negócios particulares, por vontade do Estado (Estado Juiz-sentença), acabar por violar e afastar aquela mesma vontade pré-desejada pelos jurisdicionados. Aqui se passa, também, o que veremos em artigos futuros, a interpretação da Lei da Liberdade Econômica, com toda a sistemática do nosso ordenamento jurídico, especificamente neste tópico em Direito processual Constitucional, de onde vislumbramos a importância fundamental e o respeito ao princípio do devido processo legal, em todos os seus limites e alcance.
Com relação ao reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado (inciso IV do artigo 2º), este princípio nos parece ser de ordem geral e ampla, o que devemos ainda aguardar qual será a sua extensão e ou limite que será considerado pelo judiciário, a par do próprio § único do mesmo artigo.
Dessa forma, voltaremos ao tema brevemente, uma vez que conforme foi demonstrado, para o estabelecimento das normas de proteção à livre-iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica, bem como as disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador, merece uma detida análise e considerações de alguns pontos para a efetiva aplicação da lei 13.874/19.
Sobre o autor:
Dr. José Ricardo Sabino Vieira, advogado, professor universitário, mestre pela Universidade de São Paulo – USP.